quarta-feira, 23 de março de 2011

Cultura é Tudo, mesmo?



A primeira dúvida a respeito deste blog partiu de um amigo, também professor, Francione Oliveira Carvalho. Suas considerações foram tão interessantes que resolvi postá-las aqui. Sem dúvida, conceitos amplos como ‘Cultura’ e ‘Arte’ sempre terão várias definições. Mas é justamente a discussão sobre essas definições que nos torna mais conscientes, mais ligados. Então, se liga:

“Cultura é tudo? Não tenho certeza. Seria interessante detalhar como compreende o conceito “cultura”, já que desde o seu aparecimento no século XVIII, a idéia moderna de cultura suscita constantes debates.
A palavra cultura tem origem latina e surge nos fins do século XIII para designar uma parcela de terra cultivada. No século XVI, ela deixa de significar um estado (da coisa cultivada), para tornar-se uma ação, ou seja, o fato de cultivar a terra. E somente a partir do meio do século XVI a palavra “cultura” começa a ser aplicada no sentido figurado, como uma faculdade a ser desenvolvida.
Ao longo do século XIX, com a criação da Sociologia e da Etnologia como disciplinas científicas, a reflexão sobre a cultura passa do sentido normativo para o descritivo. Os intelectuais se interessam não em dizer o que deve ser a cultura, mas de descrever o que ela é, tal como aparece nas sociedades humanas.
Apropriando-se da sua reflexão sobre o programa Big Brother, podemos perceber que ele tenta trabalhar a idéia de uma cultura plural, onde cada integrante representaria uma parcela das identidades culturais contemporâneas. Essa idéia de cultura pluralizada, inicia-se apenas no final do século XIX, quando o imperialismo inicia a divisão do globo terrestre (África e parte da Ásia) . Diferentemente do período da colonização (do Brasil, por exemplo), onde o diferente era “acultural”, começa-se a falar das culturas de diferentes nações e períodos, como representantes de códigos específicos.
Nesse sentido a cultura é vista como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo. Cultura como forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, admitindo que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais, se apresentam de forma cifrada, portanto, já possuindo um significado e uma apreciação de valor.
Você disse na nossa pequena conversa que pretende utilizar os textos postados para suscitar discussões acadêmicas. Portanto, teorizei um pouco para dizer que senti falta de uma base teórica no seu texto, isso ampliaria um pouco o alcance do que escreve e o tiraria daquele limbo de que “blog” serve apenas para dar pitacos sobre tudo... Ass: Francione Oliveira Carvalho.”

Sem dúvida, essas questões levantadas por Francione são essenciais, a começar pelo fato de que o conceito de ‘cultura’ é histórico. Como se vê, a afirmação “Cultura é tudo” deixa de lado o fato de que certas manifestações culturais são valorizadas, outras não. E por mais que tentemos ser ‘democráticos’ e dizer que aceitamos TUDO como um aspecto da nossa cultura, torcemos o nariz para certas coisas.

E você, leitor, que ‘valores’ coloca nas coisas, como se elas tivessem um preço? Já parou para pensar? O que aceita, e o que rejeita, e do que tem preconceito? Esse talvez seja o melhor caminho para perceber o que até hoje, por condicionamento, por exemplo, nunca considerou como importante. E talvez nem tenha notado...

quarta-feira, 16 de março de 2011

Desgraça Pouca é Bobagem

O noticiário internacional está repleto de fatos alarmantes. Um noticiário trágico dá lugar a outro ainda mais trágico. Nesse contexto, houve espaço para se divulgar que “inaugurado nesta segunda-feira, o relógio da contagem regressiva para as Olimpíadas de Londres, em 2012, já está quebrado. O cronômetro, em Trafalgar Square, foi desligado”. Um alento para nós brasileiros. Os atrasos, as indefinições, enfim, a incompetência que se prevê para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 não é exclusividade nossa. Os britânicos não foram capazes de fazer um relógio funcionar. Se tivesse acontecido aqui, seria simbólico. E lá, o que significa? Talvez apenas um alívio momentâneo – para nós.

Raciocínios desse tipo parecem guiar o noticiário. Quanto maior a desgraça, maior o interesse, mais se vendem revistas. E o relógio britânico ainda por cima é muito feio. É humano pensar assim? Ver a desgraça alheia nos redime de alguma culpa? Ou então, somos sádicos mesmo?

Alguns fatos me levam a optar pela segunda opção. Não bastasse o rol de desgraças noticiadas, “a Autoridade de Segurança Nuclear da França (ASN) informou que as explosões ocorridas na central japonesa de Fukushima Daiichi atingiram o nível seis de gravidade em uma escala internacional que vai até sete. O Japão, até o momento, classificou os acidentes em nível quatro”. OK, é possível que eles tenham razão. Mas divulgar essa informação quando, obviamente, as autoridades japonesas tentam evitar o pânico, o desabastecimento, o deslocamento em massa da população, serve para quê?

Você que é ser humano que responda. A França, afinal, está bem longe do Japão para se julgar atingida pelo desastre. Ou será que ver circo pegar fogo é a única fonte de emoção em um mundo já bastante pacificado e monótono? Ou talvez eles julguem que têm o dever de informar? O momento atual me lembra o ataque de 11 de setembro. Uma certa histeria permeia os fatos, com a sensação algo apocalíptica de que o mundo está a beira do colapso. Aliás, a Comissão Europeia acaba de usar a palavra ‘apocalipse’ para descrever a situação no Japão. Simpático, não?

Sim, isso é humano. Todas as civilizações imaginaram o fim dos tempos, o fim de tudo, e previram como seria - com água, fogo, meteoros e agora com radioatividade. Está lá na Bíblia. Do ponto de vista científico, trata-se de mais um motivo para não se fazer alarde, pois a principal característica da ciência é sua fria isenção, seu apego à realidade dos fatos – essa sua radical diferença em relação à religião. Pois é. Mas pelo visto até os cientistas são humanos.

Como todos nós vamos morrer um dia, é melhor ir acompanhado. Melhor ainda é antecipar a data e fazer disso um acontecimento coletivo, assim não precisamos pensar que vamos deixar um monte de coisas para trás – coisas que os outros poderiam aproveitar. Humano, sim, demasiadamente humano...






sábado, 12 de março de 2011

Será Que Ele É?


Rodrigão

Já que comecei este blog falando do BBB 11, faz sentido dar alguns toques a respeito deste que é um dos mais importantes programas na história da televisão brasileira.
Não, não tenho tempo de acompanhar as peripécias dos ‘confinados’, dou aula à noite, mas sei de tudo. Em qualquer site na Internet há notícias bastante significativas, do tipo “Fulana se irrita com Beltrano”. Se todos os sites dão a notícia, quem vai negar que é importante? Das novelas fala-se muito menos.
Duas pessoas chamaram a atenção do público. De Rodrigão, pergunta-se: será que ele é? De Maria, pergunta-se: será que ela é? No primeiro caso, gay, no segundo, garota de programa. E o melhor – ou pior – é que provavelmente as perguntas não serão respondidas, ficando à revelia do espectador a resposta. É uma obra aberta, na concepção de Umberto Eco. Aliás, Umberto Eco foi um dos intelectuais que escreveu sobre o BBB, eu não estou sozinho, viu?
A delícia da vida – e desse programa – é nunca se vai ter certeza de nada. Para fazer um paralelo, no resto da dramartugia televisiva (sim, novelas, de novo) a gente não só tem certeza, como já sabe o que vai acontecer. No caso de um personagem mudar sua orientação sexual, isso é avisado antes. No BBB, temos pistas, apenas pistas. Ninguém está se escondendo por mau-caratismo, é que talvez eles mesmos ainda não saibam. Cheguei a ver Rodrigão dando beijos numa bela loira, mas sem vontade nenhuma. Ela disse, ao sair, que já tivera beijos melhores – mas se apressou a garantir que ele não era gay. Foi o que bastou para arder a fogueira das especulações. Quanto à Maria, é a personificação de Helena, de Sonhos de uma Noite de Verão, de Shakespeare. Helena declara seu amor de maneira asfixiante e obsessiva a Demétrio (“desprezai-me, batei-me, esquecei-me, perdei-me, mas, por indigna que seja, permiti-me, ao menos, que vos siga.”). Maria vai além e faz um strip-tease... tirando a calcinha. Bem...

Helena e Demétrio, ou melhor, Maria e Mau-mau.

O segredo está aí. Não basta assistir ao programa, é preciso viver o programa. Sabe o que é pay-per-view?  Tudo são relações. E afinidades. A vida não é assim? Se no começo tudo parece artificial, aos poucos os conflitos se tornam bem convincentes, pois nada é mais natural do que as dificuldades de relacionamento com pessoas próximas, amigos, colegas, família. Pessoas de personalidade indefinida, seres mutantes, aquele amigo talvez interesseiro, o colega que só te cumprimenta por obrigação, antipatias inexplicadas. Como diria Sartre, o inferno são os outros. O telespectador pode dar vazão a seus instintos mais primários, principalmene porque sempre vota contra alguém. Elimina o chato que na vida não pode eliminar.
Na área da Publicidade, existe o Focus Group: um grupo de pessoas se reúne para falar sobre determinado produto. Do outro lado de um vidro, estão os profissionais da empresa, observando. Sabores, embalagem, textura, tudo pode ser avaliado. Mais que isso, porém, a mesma estratégia pode ser usada para detectar tendências, hábitos, comportamentos, direções. As empresas precisam saber com antecedência em que direção orientar seus esforços; o ato de observar é o único que pode trazer um vislumbre dessa coisa terrível chamada futuro, com as mudanças que ele implica.
Deu para entender? Imagino que esses profissionais de ‘tendências’ amem o BBB. Está tudo ali. Mesmo com as reclamações, há novidades. E talvez a maior seja a queda das fronteiras e das identidades. Os limites entre o ser e o não-ser estão embaçados, quase deixando de existir. Será que essa é uma tendência?
E por falar em futuro, quem vai ganhar o BBB? Sabemos que não será o mais inteligente, nem a mais bonita. É o carisma que define o vencedor. E o que é carisma? Algo indefinível, mas que agrada as pessoas, algo que elas desejam ter, algo que elas aspiram. Por isso, vale apostar. Teste a sua sensibilidade. Teste sua percepção. Saiba se está antenado (a) com o momento. Eu aposto, nesta ordem: 1.Rodrigão, 2.Daniel, 3.Paulinha. Duvido que algum outro ganhe o programa. E darei a mão à palmatória se errar. As fichas estão na mesa.

domingo, 6 de março de 2011

O Jeitinho Brasileiro

Pois é. Como tudo na vida, o jeitinho brasileiro pode servir ao bem e ao mal.
O jeitinho, que tanta gente julga a ‘cara’ do Brasil, nada mais é do que um desvio da maneira usual de fazer as coisas, o que geralmente implica a quebra de regras. Não deu para pagar no prazo? Chore, esperneie, diga que foi tirar o pai da forca, quem sabe te deixam pagar sem multa, comovidos com o seu drama.
Isso vale para os políticos. Foi filmado com o dinheiro do povo nas mãos? Uma pequena mudança nas regras do Conselho de Ética da Câmara pode adiar o julgamento para depois do fim do mandato, o que significa que fica tudo por isso mesmo. Conveniente, não?
O jeitinho tem a ver com o ‘levar vantagem em tudo’, lei de Gérson. Ou pode ser explicado assim, na época do Brasil Império: “Aos inimigos, as leis; aos amigos, tudo”. Deu para entender porque as leis não pegam? É comum, num curto trajeto de carro, ser cortado por alguém que faz uma conversão proibida, ou vem pela contra-mão, só um pouquinho. E a vida começa a se tornar impossível, ou no mínimo estressante.
Turistas brasileiros são vistos no exterior com desconfiança. Eles já sabem que os brasileiros vão driblar as regras, por achar que ‘no final dá tudo certo’. Sendo assim, para que aprender e respeitar os costumes locais?  O jeitinho brasileiro é justamente a garantia de adaptação a qualquer cenário, e muitos se orgulham disso. Ir para a Europa e trabalhar ilegalmente é visto como normal. Em Portugal, isso já é um problema endêmico, e o Brasil está exportando ‘guardadores de carro’ para esse país. Na Inglaterra, um guia feito pelo governo para a Olimpíada de 2012 afirma que os brasileiros são folgados, falam alto e sempre se atrasam.
Mas há o lado positivo. É o que mostra a foto acima. Minha amiga Karin fez uma instalação na sua impressora para não comprar os caríssimos cartuchos de tinta. E como tem de imprimir centenas de páginas por mês, calcula que gasta menos de 10% do que gastaria normalmente. Economiza mais de 3.000 reais por ano. Esse é o jeitinho que aprecio: quem quer pagar por tinta como se fosse ouro líquido? Essa esperteza das empresas é que precisa ser combatida, isso sim. Ou seja, a criatividade pode ser nossa aliada. Se essa história fosse uma fábula, a moral seria: O pequeno usa a astúcia para se defender da tirania dos grandes.
Agora, que é difícil imaginar um Brasil nos trilhos com tanta gente roubando e dando um jeitinho, isso é. Fica a dica: a adaptação de impressoras é feita em lojas da Santa Efigênia e não tem nada de ilegal.