terça-feira, 17 de maio de 2011

A Noite Que Transbordou




















Imagine ir a um espetáculo em que, na mesma noite, se apresentassem Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Roberto Carlos, Elis Regina, Nara Leão, Rita Lee, Nana Caymmi, Edu Lobo, Jair Rodrigues, MPB4 e outros. Sonho, delírio? Não, foi a final do 3º Festival de Música Brasileira da TV Record, em 1967.

É impressionante. É tanto, mas tanto talento reunido, que a maior parte dos nomes citados não cabe no filme, e só pode ser vista nos extras do DVD (Uma Noite em 67) recém-lançado e que corri para ver, porque já o tinha visto no cinema e achado curto demais. Quem pode ver um filme em que Elis Regina fica de fora? Os diretores, porém, se basearam num critério justo: mostram os 5 nomes que se classificaram nos primeiros lugares.

Essa reunião de talentos, que indicava muito bem tudo o que aconteceria de mais significativo a partir de então na MPB, seria impossível hoje, em que a cultura é pulverizada. O filme impressiona por isso e outras coisas: nenhum deles tinha medo de perder, e ser comparado com os ‘rivais’. Também porque, ao contrário do que muitos podem imaginar, Caetano Veloso e Roberto Carlos, por exemplo, entraram no palco sob vaias.

A vaia era uma instituição da época. Cada um defendia o seu artista preferido com desespero e paixão. Tanto que o cantor Sérgio Ricardo não conseguiu cantar a sua música, espatifou seu violão contra uma banqueta e o atirou na plateia. Agora, o que Caetano Veloso e Roberto Carlos fizeram com a vaia recebida? Bem, isso só pode ser visto no DVD mesmo.

As divergências político-culturais da época se manifestavam no palco. Imagine que, em pleno início da ditadura militar, as pessoas saíram às ruas (Elis Regina e Gilberto Gil, por exemplo) para protestar contra a guitarra elétrica. Isso porque a guitarra simbolizava a cultura americana, que podia a qualquer momento invadir a brasileira e a ‘destruir’. E no palco, logo depois, aparecem justamente as guitarras elétricas. Quem teve a coragem de fazer isso? Mistério...

Que tempos! Existe um livro chamado 67, o Ano que não Terminou, que vai nessa linha, dando a impressão de que 67 foi ‘o ano’ de toda uma geração, o auge de uma efervescência que nunca mais se repetiria. Nada mais cultural, portanto, do que assistir a esse DVD e ver a cultura brasileira musical em seu auge. Além disso, ouso afirmar que, no Brasil, nenhuma expressão artística foi mais importante nos anos 60 e 70 do que a música.

Mas se você imagina que eu recomendo assistir a esse DVD, engana-se: você deveria comprá-lo. E de preferência não no camelô. Desconheço outro documentário no Brasil que seja tão importante, tão envolvente. Para minha surpresa, que imaginava ser a ‘maturação’ de um artista um processo longo, no DVD se podem ver artistas plenamente maduros, capazes, com personalidades artísticas bem definidas, mesmo que só tivessem 22, 23 ou 24 anos. O smoking de Chico Buarque é apenas um sinal do que ele era e continuaria a ser para o público – até hoje.

Que tempos! E enquanto não inventam a tão sonhada ‘máquina do tempo’, o jeito é comprar esse DVD.