Será que num mundo como o nosso, em que toda a tecnologia é alardeada aos quatro ventos, e as inovações são o principal motivo para comprar um produto, o que é bastante enfatizado pela propaganda, faz sentido falar em segredo?
Acho que sim e explico por quê. O Novo Uno é um bom exemplo. Lançado em maio do ano passado (2010), ultrapassou expectativas e se tornou o carro mais vendido no Brasil nos dois últimos meses (fevereiro e março), ultrapassando o Gol. Ou seja, sucesso inquestionável, tendo ganhado prêmios como Carro do Ano, da revista Auto-Esporte. Para completar, foi um projeto desenvolvido no Brasil, que consumiu 600 milhões de dólares e durou 3 anos. A Fiat explica que o carro traz um novo conceito, o Round Square, o Quadrado Redondo. Quer dizer, o velho Uno quadradinho ficou arredondado nas bordas. Traz também um novo motor batizado de Evo, abreviatura de ‘Evolução’. Mas isso explica o sucesso?
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Novo Uno: Quadrado Redondo |
Não! O que realmente leva as pessoas a se encantar e desejar um produto é algo jamais explicado pela própria empresa, pois isso tiraria o mistério, o fator subjetivo, inconsciente, e por isso não admitido pelo lado racional de cada um. Em outras palavras, o que garante o sucesso é o vínculo emocional que se estabelece, e não a tecnologia inovadora. Isso para muitos não é novidade, então a pergunta que se faz é: que tipo de vínculo emocional é esse que foi criado aqui?
O verdadeiro conceito inovador desse carro é ser um brinquedo. O carro-brinquedo tem várias versões e pode vir acoplado de para-choques e para-lamas gigantes, como se fossem de borracha e pudessem ser destacados, e cores berrantes jamais vistas em outros carros. Traz também barras e frisos imensos, puramente estéticos. Tudo salta aos olhos, como se tivesse sido desenhado para crianças bem pequenas. Reforçando a ideia de monta-desmonta, você pode no site da Fiat (também muito colorido) construir o modelo do seu jeito, e a primeira informação é de que já foram montados 1.842.822 carros. Ou seja, as possibilidades de combinações são infinitas. E como o número é muito superior ao efetivamente vendido, podemos concluir que as pessoas entraram lá para montar seu modelo por pura diversão. É uma brincadeira, e de graça. A propaganda, também premiada, dizia: ‘Uno Duni Tê, Salamê Minguê, Sorvete Colorê, o Escolhido foi Você.’ É um carro personalizado, inclusive com os adesivos que se tornaram uma febre, mas ninguém me tira da cabeça que o principal não é ter o ‘seu’ carro, mas o aspecto lúdico (prazeroso) da montagem.
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Porta-objetos no teto |
Sabe aquela ideia de que o nosso lado criança nunca morre? Esse carro prova isso. Nesse sentido, ter filhos é apenas uma nova oportunidade para viver (ou re-viver) as alegrias da infância. E há outros detalhes: o Novo Uno tem um porta-óculos e um porta-objetos no teto. Como se os engenheiros também tivessem se divertido em colocar acessórios em locais impensáveis e malucos. Tudo isso me faz pensar em homens adultos e muito ricos. Você sabe o que eles fazem quando juntam dinheiro suficiente? Primeiro compram um carrinho, depois um barquinho e depois um aviãozinho. E é claro que vão mostrar o carro, o barco e o avião aos amigos, realizando seus sonhos de infância de ter esses brinquedos de verdade.
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Mitsubishi Pajero |
Mas o segredo não se esgota aí. Afinal, o ser-humano é complexo, tem muitas facetas a ser exploradas. Um outro aspecto que explica o sucesso é que o Novo Uno parece um ‘jipinho’, ou um SUV, um veículo utilitário, como o Ford EcoSport e o Mitsubishi Pajero. A diferença é que esses carros, maiores, mais altos, mais robustos e com a ideia de combinação de vida urbana e vida esportiva, são muito mais caros. Ou seja, a pessoa compra um carro barato, mas tem a ‘sensação’ de que comprou um carro de outra categoria, portanto com mais status. Mas essa não é a primeira vez que isso acontece. O Corsa, que na sua primeira versão tinha uma cara de peixe morto, teve suas linhas aperfeiçoadas e foi se aproximando do Vectra, carro muito maior, mais possante, mais tudo. A cada nova versão o comprador tinha a sensação de estar mais perto do seu sonho de consumo. Acho até que essa aproximação é feita aos poucos para seduzir o consumidor devagar, como um desnudamento que precisa ser lento, pois se fosse rápido não seduziria. Mas se isso for verdade, nunca será admitido, como eu disse antes.
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Antigo Corsa |
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Corsa Reestilizado |
Como se vê, a tecnologia é importante, mas é superada pelo ‘conceito’ que está por trás, ou na base do produto. E o conceito é extremamente simples. Qualquer pessoa poderia ter imaginado: eu, você, qualquer um. Por isso acho que as ideias, as boas sacadas serão o verdadeiro diferencial em qualquer campo de trabalho. A tecnologia, afinal, é sempre copiada e se espalha muito rapidamente no nosso mundo globalizado.
E se você pensa que eu comprei um Novo Uno, não, não comprei. Na hora da troca deixei aflorar apenas o lado racional. Pelo menos dessa vez.