domingo, 17 de abril de 2011

O SEGREDO DE UM CARRO














Será que num mundo como o nosso, em que toda a tecnologia é alardeada aos quatro ventos, e as inovações são o principal motivo para comprar um produto, o que é bastante enfatizado pela propaganda, faz sentido falar em segredo?

Acho que sim e explico por quê. O Novo Uno é um bom exemplo. Lançado em maio do ano passado (2010), ultrapassou expectativas e se tornou o carro mais vendido no Brasil nos dois últimos meses (fevereiro e março), ultrapassando o Gol. Ou seja, sucesso inquestionável, tendo ganhado prêmios como Carro do Ano, da revista Auto-Esporte. Para completar, foi um projeto desenvolvido no Brasil, que consumiu 600 milhões de dólares e durou 3 anos. A Fiat explica que o carro traz um novo conceito, o Round Square, o Quadrado Redondo. Quer dizer, o velho Uno quadradinho ficou arredondado nas bordas. Traz também um novo motor batizado de Evo, abreviatura de ‘Evolução’. Mas isso explica o sucesso?
Novo Uno: Quadrado Redondo


Não! O que realmente leva as pessoas a se encantar e desejar um produto é algo jamais explicado pela própria empresa, pois isso tiraria o mistério, o fator subjetivo, inconsciente, e por isso não admitido pelo lado racional de cada um. Em outras palavras, o que garante o sucesso é o vínculo emocional que se estabelece, e não a tecnologia inovadora. Isso para muitos não é novidade, então a pergunta que se faz é: que tipo de vínculo emocional é esse que foi criado aqui?

O verdadeiro conceito inovador desse carro é ser um brinquedo. O carro-brinquedo tem várias versões e pode vir acoplado de para-choques e para-lamas gigantes, como se fossem de borracha e pudessem ser destacados, e cores berrantes jamais vistas em outros carros. Traz também barras e frisos imensos, puramente estéticos. Tudo salta aos olhos, como se tivesse sido desenhado para crianças bem pequenas. Reforçando a ideia de monta-desmonta, você pode no site da Fiat (também muito colorido) construir o modelo do seu jeito, e a primeira informação é de que já foram montados 1.842.822 carros. Ou seja, as possibilidades de combinações são infinitas. E como o número é muito superior ao efetivamente vendido, podemos concluir que as pessoas entraram lá para montar seu modelo por pura diversão. É uma brincadeira, e de graça. A propaganda, também premiada, dizia: ‘Uno Duni Tê, Salamê Minguê, Sorvete Colorê, o Escolhido foi Você.’ É um carro personalizado, inclusive com os adesivos que se tornaram uma febre, mas ninguém me tira da cabeça que o principal não é ter o ‘seu’ carro, mas o aspecto lúdico (prazeroso) da montagem.
Porta-objetos no teto


Sabe aquela ideia de que o nosso lado criança nunca morre? Esse carro prova isso. Nesse sentido, ter filhos é apenas uma nova oportunidade para viver (ou re-viver) as alegrias da infância. E há outros detalhes: o Novo Uno tem um porta-óculos e um porta-objetos no teto. Como se os engenheiros também tivessem se divertido em colocar acessórios em locais impensáveis e malucos. Tudo isso me faz pensar em homens adultos e muito ricos. Você sabe o que eles fazem quando juntam dinheiro suficiente? Primeiro compram um carrinho, depois um barquinho e depois um aviãozinho. E é claro que vão mostrar o carro, o barco e o avião aos amigos, realizando seus sonhos de infância de ter esses brinquedos de verdade.
Mitsubishi Pajero

Mas o segredo não se esgota aí. Afinal, o ser-humano é complexo, tem muitas facetas a ser exploradas. Um outro aspecto que explica o sucesso é que o Novo Uno parece um ‘jipinho’, ou um SUV, um veículo utilitário, como o Ford EcoSport e o Mitsubishi Pajero. A diferença é que esses carros, maiores, mais altos, mais robustos e com a ideia de combinação de vida urbana e vida esportiva, são muito mais caros. Ou seja, a pessoa compra um carro barato, mas tem a ‘sensação’ de que comprou um carro de outra categoria, portanto com mais status. Mas essa não é a primeira vez que isso acontece. O Corsa, que na sua primeira versão tinha uma cara de peixe morto, teve suas linhas aperfeiçoadas e foi se aproximando do Vectra, carro muito maior, mais possante, mais tudo. A cada nova versão o comprador tinha a sensação de estar mais perto do seu sonho de consumo. Acho até que essa aproximação é feita aos poucos para seduzir o consumidor devagar, como um desnudamento que precisa ser lento, pois se fosse rápido não seduziria. Mas se isso for verdade, nunca será admitido, como eu disse antes.
Antigo Corsa

Corsa Reestilizado


   Como se vê, a tecnologia é importante, mas é superada pelo ‘conceito’ que está por trás, ou na base do produto. E o conceito é extremamente simples. Qualquer pessoa poderia ter imaginado: eu, você, qualquer um. Por isso acho que as ideias, as boas sacadas serão o verdadeiro diferencial em qualquer campo de trabalho. A tecnologia, afinal, é sempre copiada e se espalha muito rapidamente no nosso mundo globalizado.
E se você pensa que eu comprei um Novo Uno, não, não comprei. Na hora da troca deixei aflorar apenas o lado racional. Pelo menos dessa vez.


sábado, 9 de abril de 2011

Malditos Chineses




Não há dúvida de que o maior acontecimento histórico do século XXI é a subida meteórica da China. Ele era previsto, mas o ritmo da expansão do país asiático tem sido maior que o esperado. Isso porque a China cresce em média 10% ao ano. Já é a segunda maior potência econômica do planeta, e ultrapassar os Estados Unidos é só questão de tempo. 15, 20 anos? Não importa. É certo que acontecerá.

Se você imagina que alguns países estão enciumados com isso, engana-se. O ritmo de crescimento da China ajuda todos os outros países a crescer, porque, além de exportar, a China também importa muita coisa – assim como os outros BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) também contribuem para o aumento do comércio mundial. Mas o destaque da China é tão grande que suscita muitas outras dúvidas. Como será este que já pode ser chamado de século da China? Comeremos espaguete todo dia? Iremos correndo aos cinemas para ver os últimos sucessos de Hongwood, ou melhor, Hong-Kong-wood? Devo me matricular já num curso de Mandarim?

É claro que as mudanças históricas não são tão rápidas, mas mesmo assim sobram dúvidas quanto ao futuro:

- Como será a liderança política da China? Interferirá em outros países, como fazem os Estados Unidos? Ou limitará sua influência política aos países da Ásia?

- De que forma uma crise na China seria sentida no mundo? Basta dizer que a maior parte da dívida americana está na mão dos chineses. Teríamos assim as duas maiores potências mundiais afundando juntas. Ah, não quero nem ver.

- O Partido Comunista Chinês sairá do poder? Duvido. Afinal, foram eles que conseguiram essa prosperidade bem capitalista.

Uma coisa é certa: os produtos chineses continuarão invadindo o mundo, o que inclui a minha e a sua casa. Porque são baratos. E isso acontece porque a mão-de-obra chinesa é baratíssima, mesmo se comparada à do Brasil. Muita gente reclama disso, dizendo que as fábricas vão fechar em toda parte. Aí o fabricante resolve abrir uma importadora. E nós vamos continuar comprando produtos de 1,99.

Tudo bem. Só que nos últimos meses eu comprei um despertador e um relógio de parede. O despertador não durou nem uma semana. O relógio de parede durou 6 meses. Adivinhe de onde eram? Se você disse Brasil, errou. E em seguida um mouse que eu havia comprado recentemente também parou de funcionar. E de onde era? Fui ver, pimba! Adivinhe. Tente adivinhar.

Isso me faz pensar em um rádio-relógio da Sony que eu tenho há 13 anos, perfeito. Não que os produtos japoneses sejam todos bons. Mas sem dúvida eu preferiria, ao invés de ter gastado pouco em 3 produtos, ter comprado um único produto bom, pois ao menos agora teria 1 produto funcionando, o que é melhor que zero. Pensando bem, se a disparada meteórica da China depender de mim, eles estão fritos.

Tive uma ideia melhor ainda: se você tem produtos chineses que não funcionam mais, e que provavelmente tiveram vida curta, por que não fazemos uma exposição com eles? Sim, uma exposição que mostrasse o quanto esses malditos produtos chineses são duráveis. Como eles são inúteis, nem precisaria haver um guarda na exposição. Não deixaria de ser uma homenagem à China. Ah, eu gostaria muito. Acho até que poucas exposições seriam tão instrutivas como essa. Comércio também é cultura.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Você Lê Teatro?

A pergunta do título acima pode parecer um pouco estranha. Afinal, teatro não se lê, teatro se vê. Uma ida ao teatro, além disso, é um hábito pouco freqüente. Ler peças de teatro, então, seria uma das últimas atividades culturais imaginadas por você. E, vamos admitir, por 99,99% da população.

A questão é saber por que isso acontece. Uma peça de teatro é geralmente ágil, traz diálogos inteligentes, e é mais curta do que qualquer romance. Ou seja, não se trata de uma leitura difícil. Mas é uma leitura incompleta. O que isso significa? É que feito para ser encenado, o texto teatral não tem longas descrições, nem explica o que está acontecendo. Os personagens têm apenas a sua voz, e tudo deve ser entendido a partir dela. O autor se limita às rubricas, do tipo “Fulano entra em cena”. Sobra para o leitor, assim, o difícil trabalho de imaginar como a cena aconteceria, se os atores estivessem ali. Ou imaginar como seria se fosse um filme.

Mas nada disso é tão difícil. Boas peças podem ser lidas de uma tacada só. A questão é que nunca se criou o hábito de ler teatro. Em qualquer escola, ou universidade, a leitura de peças é rara ou inexistente. E mesmo na Faculdade de Letras da USP (FFLCH), a grande maioria dos professores prefere a análise de poemas, e em segundo lugar de contos e romances. Peças ficam em último lugar. Existem estudiosos como Maria Silvia Betti que dedicam a maior parte do seu tempo à dramaturgia, mas é uma exceção. E com isso o nosso instrumental de análise de peças teatrais é pobre – mesmo entre professores da área de Letras.

No nosso dia-a-dia, contudo, somos consumidores ávidos de dramaturgia – a dramaturgia televisiva, a do cinema e do próprio teatro. Feitas as contas, nenhum outro gênero (poesia ou ficção) alcança um público tão grande. Vivemos assim uma situação paradoxal. O gênero mais consumido é o menos estudado. E por quê? Será que só vale a pena estudar aquilo que é de difícil compreensão? E o que nos é prazeroso -  por exemplo uma comédia – não merece reflexão?

A verdade é que, quando se fala de vida acadêmica, gêneros populares dão pouco ibope. Isso se reflete nos estudos literários e, por conseqüência, em toda a estrutura de ensino. Atualmente os livros didáticos tentam usar os exemplos mais variados, de quadrinhos a notícias de jornal, passando pela MPB, mas ainda assim o teatro fica de fora. Repito: é por falta de hábito, de instrumental de análise. E, com isso, toda a influência que as novelas e filmes têm na disseminação de valores, a força de personagens que mexem com o imaginário da população, tudo isso é menosprezado. E os conceitos lançados por Aristóteles na Antiga Grécia sobre o teatro acabam sendo pouco estudados, e pouco desenvolvidos.

LEIO TEATRO vem corrigir essa falha. Esse livro, presente da minha amiga Lúcia, mostra a importância da publicação – e da leitura – de peças teatrais. Escrito em sua maior parte pelos professores/pesquisadores da Universidade de Brasília, tem no texto de Maria Sílvia Betti um dos seus pontos altos. Mas é preciso lembrar que essa atitude de desdém, digamos assim, em relação ao teatro publicado só vai mudar com uma mudança mais profunda de mentalidade.

Um estímulo para a mudança está no fato de que a leitura de uma peça (em sala de aula, ou qualquer lugar) pode ser muito estimulante para todo um grupo, já que o texto pede uma interpretação. E os que lêem tendem a responder bem à exigência, tornando a leitura em voz alta um acontecimento com alto nível de energia, tanto para ouvintes como para atores, muito mais que a leitura de poemas ou contos. Existem também aqueles que sonham em ser artistas, e que sempre agarram a oportunidade. É, como eu disse, um acontecimento.

Chega de nariz torcido para o gênero teatral – justamente a mais coletiva e dinâmica de todas as artes. O teatro merece estar na sua estante.

P.S. Evidentemente, existem diferenças entre o teatro e o cinema. Mas isso fica para um outro post.