quinta-feira, 23 de junho de 2011

O Absurdo das Leis



Você deve ser um respeitador (ou respeitadora) das leis, como eu. Todos, afinal, concordamos que sem leis viveríamos no CAOS, sem a menor segurança na vida em sociedade. Só as leis podem nos proteger.

Um segundo pensamento, porém, nos mostra que as leis nem sempre são tão boas assim, e por isso mesmo há leis que ‘não pegam’. Foram aprovadas, mas ninguém respeita. A questão então passa a ser: por que foram aprovadas? Por que simplesmente existem? Há duas possibilidades. A primeira nos diz que os deputados legisladores foram simplesmente ineptos, escreveram algo fora da realidade, não houve a conscientização das pessoas, a lei não pegou. Outra é pensar que a lei só foi aprovada para dificultar as coisas – o que significa favorecer a burocracia e a corrupção que vem junto com ela. “Criam-se dificuldades para se vender facilidades”, diz a já famosa frase.

Como se vê, nenhuma das possibilidades é muito inspiradora. Uma manchete de hoje reforça essa impressão: “270 aves apreendidas pela PF podem ser sacrificadas em Manaus”. O comércio de animais silvestres é proibido, como sabemos. E por quê? Porque esses animais não deveriam viver em cativeiro, e as espécies devem ser preservadas em seu habitat natural. OK. Mas a mesma lei que faz apreender as aves determina que devem ser sacrificadas? Em outras palavras, ninguém pode fazer mal às aves, mas a polícia pode matá-las?

Essa é a lógica perversa que ronda o Estado e sua arbitrariedade. Leis são aparentemente defensáveis e bem intencionadas, mas os buracos aqui e ali tornam a sua aplicação uma piada de mau-gosto. Não é à toa que muitas pessoas conseguem ‘assaltar’ o Estado, ou seja, valem-se de buracos nas leis para conseguir vantagens absurdas. Empresas que não pagam o INSS dos empregados, por exemplo, já conseguiram vitórias contra o governo, ou seja, contra nós, e às vezes ainda conseguem empréstimos do BNDS. Em outras palavras, literalmente pagamos para ser explorados, e pagamos duas vezes.

E por que não soltar as aves? Porque não são nativas do Brasil, e não sobreviveriam, explica o delegado de Repressão a Crimes Contra o Meio-ambiente. Ou seja, as aves não poderiam morrer naturalmente, seria uma maldade sem par, então é melhor matá-las de uma vez. Mas não adianta, o círculo não fecha.

Esse episódio, para mim, apenas mostra o abismo que há entre as leis e a compreensão das leis pelo cidadão comum. E, por isso, não há a possibilidade de obedecê-las. E, por isso, o não-respeito às leis continua a ser uma regra no Brasil. Assim se vai perpetuando uma mentalidade em que a corrupção é corriqueira, quase natural, e o não cumprimento de prazos, contratos, acordos é apenas uma faceta da ‘nossa cultura’. O Estado está tão distante da esfera dos cidadãos comuns que eles julgam que podem até fazer aquilo mesmo que a lei proíbe. A Copa que vem chegando também parece um prato cheio para o desrespeito, os orçamentos estourados e, como vem mostrando a imprensa, nenhuma transparência. É esse o país que quer ser uma das cinco maiores economias mundiais?

Detalhe: o homem que trouxe as aves responderá “pelo crime de introdução no país de animais sem licença do Ibama, além de maus tratos contra animais”.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O Brasil no Topo?















Pode ser coincidência, claro. Mas como no último post falei justamente sobre o Brasil e seu recente sucesso, ficou irresistível não comentar (ou melhor, replicar) a melhor notícia de hoje: O Risco dos EUA é maior do que o risco Brasil pela primeira vez na História.
Se você é jovem, talvez isso não seja muito claro, mas o risco Brasil (de aplicar o dinheiro aqui e não recebê-lo nunca mais) sempre foi 20 ou 40 vezes maior do que o americano. E de repente o americano ultrapassa o nosso. Alguém pode me beliscar, por favor?
Será que a maré virou mesmo? Será um prenúncio dos próximos anos? Bom, o principal agora é comemorar. Leia a notícia abaixo e vá festejar com os amigos. Um empurrão na auto-estima não faz mal a ninguém:
"Pela primeira vez na história, os investidores enxergam mais risco de calote dos Estados Unidos que do Brasil."
O Credit Default Swap (CDS) de um ano – instrumento de proteção contra o risco de um devedor não cumprir suas obrigações – do Brasil tem sido negociado abaixo do norte-americano.
“Ainda que circunstancial, trata-se de algo inédito na história ou mesmo um fato impensável que pudesse ocorrer em algum momento”, diz o diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, Octavio de Barros.
No dia de ontem, o CDS do Brasil estava em 41,2 pontos-base, enquanto o norte-americano estava em 49,7 pontos.
“As dificuldades enfrentadas pela economia americana e as tensões no Congresso americano em relação ao teto para o endividamento que será atingido em julho geram incertezas nos mercados”, completou Octavio de Barros
(Guilherme Barros, portal IG)

segunda-feira, 6 de junho de 2011

EIKE, "O Cara"

 Você já ouviu falar de Eike Batista? (pronuncia-se AIKE) Se não, deveria. Ele é provavelmente o melhor símbolo do Brasil de 2011.
Eike foi listado pela revista americana Forbes como o brasileiro mais rico e o 8º homem mais rico do mundo (todos os primeiros são homens).
Filho do antigo presidente da Vale do Rio Doce e ministro de Estado Eliezer Batista, ex-marido de Luma de Oliveira, só agora esse personagem parece ter encontrado luz própria. E que luz. Ele anuncia provocativamente que se tornará o homem mais rico do mundo, e por isso Carlos Slim e Warren Buffett, os primeiros, que se cuidem! E diz isso em entrevistas nas televisões abertas americanas, portanto para o mundo inteiro. Conseguirá?
Se você acha que sim, seria o caso de investir nas ações das empresas dele, pois quando ele se tornar o primeiro elas aumentarão muito de valor. Por isso mesmo se torna símbolo: será que ele, assim como o próprio Brasil, continuarão despontando no cenário econômico mundial como grandes sucessos? Nós, simples mortais, podemos não ter ideia, mas a resposta para a pergunta certamente afetará as nossas vidas.
O país que hoje parece atrasado e mal preparado para sediar a Copa de 14 e as Olimpíadas de 16 está no olho do furação, quer dizer, sob os olhos do mundo. Costumo dizer que nenhum país do mundo teve essa colher de chá, a de fazer esses dois eventos de importância planetária ‘em seguida’. Por isso mesmo a responsabilidade é maior. E o sucesso, ou fracasso, desses eventos também serão cruciais para a nossa História.

Uma nação moderna, competitiva, invejada pelas outras, tudo isso para quem passou muito dos vinte anos, como eu, parece conto da carochinha. O Brasil sempre foi o oposto. Contribuiu para a mudança, sem dúvida, o amado/odiado presidente Lula, chamado muitas vezes de ‘o político mais popular da face da Terra’. Isso lá fora. E também se  repetiu muito que "Brasil foi o último país a entrar na crise, e o primeiro a sair dela", em referência à crise de 2008. Quando vejo a nossa Educação Pública, duvido bastante do sucesso do Brasil, mas quando vejo os números de crescimento, investimento, e até de valorização do real, penso que o sucesso está na nossa porta.
E aí desponta EIKE. No ano 2000 ele se desfaz de suas minas de ouro no mundo afora e investe todo o seu dinheiro no Brasil. Seu 1 bilhão de dólares se transforma em 30 bilhões. Para quem pensa que isso é maracutaia com o governo ele explica que não tem nenhum contrato público. O que ele tem é a concessão de exploração de petróleo em certas áreas do Brasil (o que foi uma concorrência pública), poços que neste ano de 2011 começam a jorrar. Isso além de outras empresas. E como se explica a multiplicação do dinheiro? Simples. Ele abre o capital das empresas na Bolsa de Valores. Muita gente se interessa, as empresas recebem altos investimentos e multiplicam de valor. Por isso anuncia que pretende ‘listar’ as empresas nas bolsas de outros países, como Inglaterra, assim receberão ainda mais dinheiro.

Mas um cara tão falastrão não gera desconfiança? Sim. Mas esse jeito que ele tem, meio ingênuo, cheio de si, provocativo, é tipicamente brasileiro. Comparado com outras nacionalidades, o brasileiro fala mais do que deveria, e não se importa de fazer papel de bobo em certas rodas. Talvez por isso ele consiga a adesão de tanta gente. Fala muito do Brasil, diz que escolheu investir e viver aqui, faz investimentos sociais no Rio de Janeiro (nas UPPs), promove a limpeza da lagoa Rodrigo de Freitas, aparece em programas de TV (veja-os no Youtube, como eu), doa U$ 7 milhões para a Ong de Madonna, diz que não vale a pena ser rico se o entorno for pobre, e por aí afora. Expõe sua fragilidade humana, a começar por admitir a vaidade, seus arroubos juvenis, e por aparecer em uma entrevista por exemplo, com uma gravata que mais parece a gravata de um palhaço, de tão longa. Muito diferente de outros empresários que têm medo de seqüestro e ninguém conhece, vamos admitir. Com tanta exposição, fica mais fácil confiar – ou definitivamente não confiar – nele.
Ele está construindo um dos maiores portos do mundo no Rio de Janeiro, em São João da Barra, e já tem muitos contratos engatilhados com a China, inclusive para receber os super-navios Chinamax. São tantas empresas reunidas naquele local, todas interligadas, que a cidade passou a se chamar Eikelândia. Convenhamos, não é pouco. Como se falou muito nos últimos anos da precariedade e alto custo dos portos brasileiros, espero que esse empreendimento realmente dê certo. E talvez os outros portos possam seguir o exemplo. Se você acha que não tem nada a ver com isso, explico: os portos são parte dos altos custos dos produtos que nós consumimos. Eike é um empresário que aposta na eficiência e na competitividade.
Luma de Oliveira, a ex-mulher, até hoje o defende, com lágrimas. Será esse mais um motivo para confiar nele? Eu confio, e torço, mas não posso e nem quero convencer ninguém. Só digo que vale a pena acompanhar a trajetória desse singular personagem com atenção. Na minha opinião, seu futuro – sucesso ou fracasso – se confunde com o futuro do Brasil.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A Defesa do Atirador

Agora eu vou ser linchado. Moralmente ou talvez até fisicamente. Mas como é um assunto que já esfriou, resta a esperança de que as pessoas consigam ver o caso à distância que o tempo permite. Estou falando do Atirador do Realengo.

Ao cometer seu ato insano, o Atirador se uniu a uma galeria de assassinos célebres: Suzane Richthofen, o casal Nardoni, o atirador do shopping em São Paulo (alguém se lembra?), e o agora ressuscitado Abominável Pimenta das Neves. As perguntas que tenho me feito, desde então, com certo incômodo, são as seguintes:

1. Deve ele ser colocado na mesma categoria dos outros assassinos?

2. E, já que foi enterrado como indigente, pois o corpo não foi reclamado por ninguém, merecia um enterro ‘normal’? Você pode responder?

 Sei que as pessoas, todas, devotam a esse estranho personagem desprezo e rejeição. Eu, no entanto, não consigo desprezá-lo como desprezo os outros assassinos citados. Um pouco de pena, um pouco de perplexidade, não sei, acho que dentro de sua loucura ele teve, ainda, lampejos de consciência e de dignidade. A covardia, sim, estava lá, como no caso dos outros assassinos, e a crueldade, mas ele não estava imbuído de um egoísmo atroz. Os outros queriam ter um ganho imediato, mesmo que esse ganho fosse apenas emocional, e não pareceram arrependidos. Para se ter uma ideia, o Abominável Pimenta das Neves, dias depois de assassinar a namorada e confessar o crime, ainda a acusava de ser aproveitadora, entre outras coisas. Estava movido por uma paixão. Isso é compreensível. Mas não compreendo como, depois de tanto tempo, ele ainda não consiga se distanciar do ato que cometeu, perceber o prejuízo causado a todos os envolvidos, e se arrepender. Não. A prova é o número de recursos apresentados, a recusa em pagar pelo crime. Mas finalmente ele foi para a cadeia. Espero que lá apodreça.

O caso de Suzanne Richthofen é pior, pois a mocinha, mesmo sendo obrigada a confessar o crime, continuou movendo céus e montanhas para ter direito à herança dos pais assassinados, esse o seu maior objetivo. Arrependimento? Nenhum. Os Nardoni são um caso à parte. Não se sabe se eles se defenderam com convicção por pensar nos filhos, mas durante todo o tempo foram capazes de dissimular muito bem, mostrando essa faceta tão desprezível do ser humano que é a falsidade.

Para quem tem raiva do atirador do Realengo eu poderia dizer o seguinte: a pior pena que existe no mundo é a execução – morte – do condenado. E seu ato já previa isso, tanto que ele deixou instruções para as cerimônias religiosas e o enterro. Ou seja, nesse caso, o castigo já estava previsto na ação assassina. Tudo foi planejado, divulgado na Internet, mostrando que seu objetivo maior era SER OUVIDO. Esse é o lado mais trágico e que me toca: o ato mostra que muitas vezes é difícil ser ouvido, ter nossa dor reconhecida pelos outros. Ele declarou que tudo foi por causa do bullying que sofreu. Será verdade, ou delírio de um desequilibrado?

Depois de uma tragédia, todos procuram o ‘culpado’. Volta-se a falar de um referendo para proibir o porte de armas, mas poucos parecem dispostos a se lembrar daquela época em que defenderam esse direito, e que o preço a pagar pelas armas é ter algum maluco que às vezes sai atirando. A culpa, enfim, é algo mais amplo, inerente à sociedade. E justamente pela falta de culpados, começaram a levar mais a sério o que o Atirador disse a respeito do bullying, tanto que muitas matérias sobre o tema foram publicadas desde então. Afinal, talvez ele tivesse alguma razão. Mas isso também é trágico. Ele alcançou seu objetivo (e talvez tenha sido o único assassino a ter alcançado), mostrando que para a sociedade pensar com seriedade em um problema é preciso um ato trágico de grandes proporções.

Entre tantas perplexidades, o cadáver ficou lá, esquecido. E se você desejou que ele fosse jogado num esgoto e devorado pelos urubus, devo dizer que o mesmo ódio estava presente naquele ato assassino, e que o ódio não seria capaz de curar o ódio. Não se trata de justificar, e nem mesmo de explicar. Trata-se de reconhecer um direito. E reconhecer que este caso envolve toda a sociedade em uma dimensão maior do que os outros. Jogar a culpa apenas no Atirador é cegueira. Isso me lembra a antiga peça grega Antígona. Como se sabe, ela foi condenada à morte por ter enterrado o irmão, considerado um ‘traidor’ e não merecedor dos rituais religiosos. 2.500 anos depois a mesma situação acontece. O traidor não merece enterro. Me chamou a atenção o fato de que ele tinha uma família adotiva, que nada fez. Ora, eles podiam estar com medo, mas quem acusaria alguém de tomar as providências legais para um enterro ‘normal’? Esse fato me chamou a atenção, porque nem mesmo a família estava disposta a cuidar do morto . Ou seja, a solidão – dor – do atirador, que não era ouvido, parece ter sido bem real...

O espectador que vê Antígona concorda, é claro, com sua atitude, e minha posição é a mesma. Não se pode negar o direito de ser enterrado a ninguém. Só para efeito de comparação, os outros assassinos tiveram o direito à plena defesa, e ainda terão o direito à sua vida, depois de algum tempo. Comparativamente, isso sim é muito mais injusto e revoltante. Guilherme de Pádua, por exemplo, deve estar por aí, levando uma vida relativamente normal. Se alguns monstros podem circular livremente, e até contar com a simpatia de outros, por que deveríamos negar sepultura aos mortos? Pois eu o enterro na minha consciência. Que descanse em paz.