quinta-feira, 7 de julho de 2011

RELIGARE



Se você tem alguma religião, deve saber que o sentido da palavra está originalmente no verbo latino Re-Ligare, ou seja ligar de novo. Mas ligar o quê? Ligar-se a Deus, à espiritualidade, à fonte primeira, de onde viemos e onde estávamos ligados.

Quer dizer, estávamos sim ligados a Deus no princípio de tudo, depois é que veio algum problema que gerou a desagradável separação. Por isso religião é re-ligar, re-compor, re-fazer esse vínculo que foi quebrado – infelizmente, é claro, por isso mesmo buscamos ansiosamente um contato com o divino, com uma força maior.

Eu acredito piamente nisso. Quero dizer, acredito que essa ligação possa ser refeita, sim, apesar de não saber em que momento exato ela foi quebrada. Aí você, uma pessoa cética, pode perguntar: mas Deus existe? Se juntarmos todas as pessoas que acreditam em uma religião, temos pelo menos 5 bilhões de crentes, ou de pessoas desejosas dessa ligação com o divino. E isso quer dizer: independentemente da religião, o ser humano procura essa conexão, e se não podemos comprovar a existência de Deus cientificamente, essa é, no mínimo, uma verdade humana, uma verdade para a maior parte das pessoas.

Eu vou além. Acredito que todo ser humano procura essa conexão, mesmo os não religiosos. Como assim? É que mesmo quem não segue uma religião procura formas alternativas de transcendência. Transcender = atravessar o limite da própria existência e existir em outro tempo, em outro lugar. Alguns querem a fama, outros querem deixar bens para a família, outros se preocupam simplesmente com a sua reputação. Mas não é contraditório? Por que deveríamos nos preocupar com o amanhã, ou com a opinião alheia, que não controlamos? Na minha opinião, essa é uma maneira de atravessar os limites do nosso corpo, e vamos admitir que nunca aceitamos muito bem esses limites! Imaginamos nós mesmos em um tempo futuro em que seremos muito importantes, seremos reconhecidos... você não imagina, nunca imaginou? Pois isso é desejo de transcendência, isso é, estar além do momento presente, e esse é apenas mais uma característica do ser humano, a de se projetar no tempo e no espaço, ou seja, a de ampliar sua existência para além do aqui-agora.

Imaginação. Sim, você pode reduzir tudo ao verbo Imaginar, e dizer que é natural que o homem imagine, o futuro, o passado, enfim, imaginar o que não pode existir agora. OK. A questão é a intensidade com que ele imagina e joga suas emoções para esse passado, ou muito mais para o futuro... Como se nós vivêssemos uma vida imaginária na maior parte do tempo, com uma dificuldade natural de viver o presente. Temos alegrias imaginárias e tristezas imaginárias. Mas conseguiríamos viver sem esses pensamentos? Tente e depois me diga.

E se o ser humano é de fato assim, posso apenas entender que essa é apenas uma das maneiras de buscar transcendência, de estar em muitos lugares ao mesmo tempo, de querer essa re-ligação com o divino, de sentir que temos um valor maior do que da simples existência física... sim, esse é o grande estopim de todas as religiões, a total incapacidade do homem de aceitar que seja SÓ FÍSICO e que tudo acaba no instante definitivo da morte. Custo a acreditar que mesmo a mais materialista das pessoas não pense na morte com alguma apreensão, não por causa da dor, mas por causa do VAZIO que pode se seguir depois...

Enfim, a religião é uma das bases do homem, e talvez eu tenha conseguido provar que ela é a base para TODOS os homens. Mas por que estou falando disso? Não sei, estou aqui na FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty, e pensamentos ligados à espiritualidade me assaltaram. Talvez porque esse ambiente, esse lugar sejam muito propícios para a tão desejada Re-Ligação Transcendental que pode acontecer de várias formas, sendo que uma das melhores (e tão antiga quanto qualquer religião) é a própria Arte.

Escreverei num próximo post sobre a FLIP em si mesma. Está deliciosa. Mesmo com o frio.

Um comentário:

  1. Muito bom! Eu me imaginei na FLIP. Ai, que vontade. Ana Luisa Howard

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