terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Chore para o Céu: os Castrati


Você se lembra do belo filme Entrevista com o Vampiro, com Tom Cruise e Brad Pitt? A novidade é que a autora do livro, Anne Rice, não faz apenas histórias com seres das trevas como vampiros e bruxas. Em Chore para o céu (Cry to Heaven), ela descreve o mundo dos eunucos do começo do século XVIII na Itália, portanto trata-se de um livro historicamente fundamentado, fruto de longa pesquisa. É de tirar o chapéu, numa época em que todo mundo usava chapéu.
Imagine um ser que não era considerado homem nem mulher. Situação muito vantajosa em certos aspectos, pois sua sexualidade estava aberta a todas as possibilidades, mas desvantajosa também, pois eram seres à margem dos rituais sociais restritos aos ‘normais’. Uma mulher podia levar um eunuco a tiracolo, e isso seria considerado natural para uma amante das artes. Se de fato ela amaria as artes ou o corpo infértil – e seguro – do seu amigo isso ficaria apenas nas entrelinhas. Os eunucos eram, em suma, adorados pela sua performance no palco da ópera, mas ainda assim, marginais.
Li o livro em inglês, presente do meu amigo N. Imagino que em português também seja possível apreciar o estilo contido, descritivo e ‘trabalhado’ do original. O enredo é cativante.  Uma das marcas registradas da Anne Rice é o erotismo, em particular o homoerotismo. Isso deve afugentar muitos leitores nos EUA, sempre atentos aos ‘desvios’, mas ela não parece disposta a abandonar esse pendor. Os críticos vêem nela uma tendência para o sombrio, o estranho, para os sentimentos mais pesados, e nesse contexto as descrições sexuais são uma parte inseparável do todo. Ora, sejamos francos: enquanto os moralistas rotulam cenas sexuais de “apelativas, pornográficas”, outros encontrarão nessas cenas o seu maior divertimento. Quanto a mim, acho que pelo ineditismo todos os detalhes dessa singular condição – os castrati – são fonte de grande curiosidade e indispensáveis. A sexualidade, um dos ‘detalhes’ mais importantes, não poderia ser deixada de lado.
Castrati eram meninos que tinham sua masculinidade ‘cortada’ numa idade tenra. Isso quer dizer: o saco escrotal era ‘esvaziado’, gerando alterações hormonais, mas continuavam tendo um pênis. Sua voz não engrossava, e ficavam ainda mais altos do que homens normais, com braços mais longos, porque sem hormônios produzidos pelos testículos (testosterona) a ossificação não enrijece como normalmente ocorre.  Seus corpos eram muito flexíveis, o que incluía a caixa toráxica.
Contar o enredo de um livro ou filme é um pecado mortal. Como quero ir para o céu, vou apenas dizer três coisas. A Itália mostrada no livro (em 1725) era ainda formada por cidades-estado independentes como Nápoles, Veneza, Florença, Roma. Ou seja, a Itália ainda não existia, a unificação só ocorreria em 1861. O que me faz pensar, vejam só, que o Brasil é um país mais antigo que a Itália!! Não é incrível?
Outra é que o livro tem tudo a ver com a literatura gótica que fazia sucesso naquela época. Não há nada de sobrenatural na história, mas a atmosfera de mistério, aflição e terror que prevalece nos remete à recusa dos ideais iluministas e racionalistas que estavam sendo difundidos. Isso tem tudo a ver com as outras obras de Anne Rice, sempre muito medievais em sua concepção.
E quanto às muitas cenas de sexo, bem, existe nelas uma qualidade insuspeita. Elas representam, para o personagem principal, uma progressiva e irreversível libertação. E a autora consegue transmitir muito bem o alcance e o significado dessa liberdade: significa abandonar o conforto de um sistema de pensamento feito de pré-conceitos arraigados em prol de um vácuo – sim, um vazio - momentâneo onde, depois, novas sensações e sentimentos podem surgir, uma autêntica conquista para o personagem. Há uma vertigem nessa passagem. Vertigem, no entanto, extremamente recompensadora. Se você não tem medo de altura, leia.

2 comentários:

  1. Antonio, comecei a ler a versão em inglês que te falei que tenho... assim como os demais livros dela - em inglês - trata-se de uma leitura até light, mas quando a mulher começa a traçar perfis e descrever cenários "o bicho pega". Mas é exatamente esta qualidade de Anne Rice que faz de mim um grande admirador. Nas obras das bruxas Mayfar ela te transporta para New Orleans de séculos passados e a leitura torna-se uma verdadeira viagem no tempo. Vou ler Cry to Heaven e depois mando minhas observações.
    Abraço: your friend Money.

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  2. Oi professor.


    Acho que Anne Rice depois de Bram Stoker é a melhor escritora de histórias vampirescas.

    O senhor está sabendo que ela vem ao Rio neste ano?
    Estou torcendo para que venha para SP também.



    Sou o Jose Eduardo seu aluno de hotelaria 1º semestre.


    Se o senhor quiser dar uma olhada http://eduardodumbledore.blogspot.com/ está meio desatualizado.

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